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SAF: como pensar em um novo modelo de gestão se mantivermos heranças estruturais do velho?

A estrutura tradicional nos clubes, federações e confederações resulta em conflitos e ineficiência de toda a ordem

A governança, para efeito deste artigo, é a base que orienta as regras do modelo de gestão e do modelo de negócio. Nesses termos, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) a considera como um sistema pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, envolvendo os acionistas e os cotistas, como também o Conselho de Administração (CA), a Diretoria, a Auditoria Independente e o Conselho Fiscal. Sua finalidade consiste no aumento do valor da sociedade, bem como na facilitação do acesso ao capital, além de contribuir para sua perenidade. De acordo com o IBGC, os princípios e as práticas da boa Governança Corporativa aplicam-se a organizações de qualquer natureza (tamanho ou tipo de controle).

Como explica Eric Lethbridge, o conceito de governança permite a visualização da estruturação dos processos organizacionais que regem as relações entre os acionistas, gestores e outras parcerias. Em período recente, as discussões sobre governança corporativa passam a incluir não apenas o controle dos gestores em prol da unidade organizacional, mas também a relação com todos os stakeholders. Desse modo, a boa governança deve conduzir a organização para o alcance da efetividade, levando em conta os interesses dos envolvidos e impactados pela ação gerencial. Para outra pesquisadora, Natália Rese, essa natureza multifacetada das organizações e suas relações conduz a conflitos de interesse, de gestão e governabilidade, levando-as à preeminência da criação de mecanismos de governança para delimitar e definir os papéis de cada agente nessa configuração, garantindo que os diferentes interesses das partes envolvidas sejam atendidos.

Nesse aspecto, as boas práticas de governança corporativa recomendadas pela Organization for Economic Cooperation and Development (OEC) podem ser resumidas nos seguintes itens:

  • transparência nas assembleias (prestação de contas), as estruturas de propriedade (definidas e legimitadas), os grupos de controle (identificados e reconhecidos) e na participação (indiferentemente do número);
  • estrutura e responsabilidade do Conselho de Administração claramente definida (não atendendo apenas ao interesse do grupo político em ascensão);
  • proteção aos participantes minoritários;
  • auditoria, conformidade legal, demonstrações dos indicadores de avaliação e transparência nas relações (ações de controle periódicos).

Cabe ressaltar que, no caso dos clubes de futebol do Brasil, os conselhos são compostos por inúmeros elementos (empresários, políticos, profissionais liberais etc.), representando as diversas forças políticas do clube, as quais ascendem conforme os resultados obtidos em campo na atual gestão. Em suma, tais oscilações dificultam a captação de investimentos por distanciar o acionista (e/ou stakeholders) da dinâmica dos negócios do futebol que, em função das características jurídicas e societárias vigentes no país, impossibilitam uma participação mais ativa na gestão dos clubes, enquanto instituições sem fim lucrativo.

Por outro lado, clubes na Europa são constituídos (com certa frequência) como empresa, uma vez que as estruturas de propriedade mostram-se mais propícias às propostas da governança, apesar de ainda apresentarem estruturas hierárquicas semelhantes às nossas.

No Brasil, os clubes de futebol são constituídos enquanto entidades sem fins lucrativos, sendo sua gestão atribuída aos sócios eleitos para os cargos diretivos. Isso ocorre sem que haja uma relação direta com a competência necessária para o exercício da função. Nesses termos, cabe mencionar a análise de Russell Hoye, Matthew Nicholson e Barry Houlihan sobre os aspectos que devem ser considerados quanto à regulação das atividades de terceiros. Em estudo de 2010, eles mencionam que a falta de controle e de transparência na documentação dos processos decisórios, bem como a incapacidade de punição dos gestores, estão entre as deficiências percebidas e que se relacionam diretamente às organizações esportivas.

Nesse sentido, outros estudiosos da área, Packianathan Chelladurai e Alberto Madella, lembram, em trabalho de 2006, da necessidade da essência burocrática para as organizações esportivas, uma vez que precisa haver a divisão de trabalho bem definida, bem como as linhas de autoridade claras, além de regras e procedimentos formalizados. A autonomia dos gestores, conforme apontada em estudo de 2011 por Helio Viana e Joaquim Rubens Fontes Filho, é capaz de determinar melhores práticas de governança e de gestão para os clubes, visto que exige melhorias nas relações junto aos stakeholders, sobretudo no que tange à consolidação das estratégias e ações implementadas. No entanto, seria necessário que os clubes apresentassem estruturas adequadas aos agentes financiadores, objetivando a transparência na aplicação dos recursos, bem como nas ações.

Os pesquisadores Lesley Ferkins e David Shilbury, por sua vez, partem de um cenário de gestão profissional e processos burocráticos definidos, gerando os seguintes temas: liderança compartilhada (apresenta interessante discussão acerca da participação efetiva de todos os stakeholders envolvidos na gestão do clube, visto que a participação da gestão profissional é dada como certa, diminuindo assim a ligação passional dos gestores nas decisões do dia a dia das organizações esportivas); motivação (aspectos pessoais e internos), regras (normas reguladoras) e estrutura do Conselho (estimulando e fortalecendo a participação dos gestores profissionais, sobretudo dos gestores voluntários que percebem na falta de reconhecimento e de tempo, os pontos que interferem na qualidade das intervenções realizadas pelo Conselho).

A estrutura tradicional hoje vigente nos clubes, federações e confederações, fruto do próprio aspecto histórico da gestão esportiva no país, resulta em conflitos e ineficiência de toda a ordem, comprometendo comunicação e gestão (horizontal e vertical). A proposta de uma nova gestão (SAF – Sociedade Anônima do Futebol) na figura de um clube-empresa decorre necessariamente da reflexão de nossa estrutura hierárquica, sua composição, funções, atividades etc., onde inovar é mais que uma tendência, passa a ser uma necessidade.

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